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Autoridade condena Ordem dos Médicos a coima de 250 mil euros por imposição de tabelas de preços

30-05-2006

Autoridade condena Ordem dos Médicos a coima de 250 mil euros por imposição de tabelas de preços

Comunicado nº 14/2006

A Autoridade da Concorrência condenou a Ordem dos Médicos ao pagamento de uma coima de 250 mil euros pela imposição de preços máximos e mínimos nos serviços prestados pelos médicos a exercerem a actividade em regime independente.
A interferência na determinação de preços constitui uma contra-ordenação grave nos termos do artigo 4.º, nº1 da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, e uma violação do n.º 1 do artigo 81.º do Tratado CE.
A fixação de preços mínimos e máximos por associações de empresas configura uma forma séria e das mais graves de restrição da concorrência, porque impede cada agente de fixar preços mais competitivos, elimina a concorrência entre profissionais pela via do preço, reforça os obstáculos à entrada de novos profissionais e priva o consumidor da possibilidade de escolha e de negociação para adquirir o serviço ao melhor preço. 
A Autoridade da Concorrência tomou conhecimento da existência de uma tabela de preços mínimos e máximos, fixada pela Ordem dos Médicos, para os serviços prestados pelos médicos, a exercerem a actividade como profissionais liberais.
A fixação da tabela de honorários médicos, pela Ordem, resulta da conjugação do Código Deontológico, Código de Nomenclatura e Valor Relativo de Actos Médicos e Regulamento dos Laudos a Honorários.
A título exemplificativo, o Código Deontológico, datado de 1980, estabelece, no artº 81º, nº2, que “As tabelas de honorários aprovadas pela Ordem dos Médicos devem constituir a base de critérios de fixação de honorários (…)”. O mesmo Código estatui ainda, no art. 82º, sob o título “Proibição da concorrência” que “ O Médico não deve reduzir os quantitativos dos seus honorários com o objectivo de competir com os Colegas, devendo respeitar os mínimos consignados nas Tabelas referidas no Artigo 81.º
O Regulamento dos Laudos a HonoráriosArt. 2º do Regulamento dos Laudos a Honorários estabelece que “O médico deve respeitar os mínimos consignados no Código referido no n.º 2 deste artigo(…)”.
Acresce que, nos termos do Código Deontológico e do Estatuto Disciplinar dos Médicos, “a cobrança de honorários em violação das regras pré-identificadas é susceptível de constituir objecto de processo disciplinar, porquanto consubstancia uma violação de um dever estabelecido no Código Deontológico”.

A tabela de honorários dos médicos não tem uma duração delimitada e já sofreu várias alterações ao longo dos anos.
Os médicos que desrespeitem a tabela de honorários ficam sujeitos a diversas sanções de carácter disciplinar, aplicadas pela Ordem: advertência, censura, suspensão até cinco anos, expulsão, perda de honorários e publicidade da pena.
Desde 1999, foram instaurados 18 processos disciplinares por violação das regras de cálculo dos honorários do médico.
Ouvida no processo aberto pela Autoridade, a Ordem dos Médicos veio afirmar que os limites mínimos foram aprovados com o objectivo de assegurar a dignidade e a qualidade do acto médico, que os limites máximos são um elemento de defesa dos interesses dos doentes e que o acto médico não é um acto de comércio e que a Ordem apenas pretende evitar a concorrência desleal.

A Autoridade não considera procedente esta argumentação, dado que:
(i) Não existe qualquer fundamento económico (monopólio natural, assimetria de informação, etc.) que dite a necessidade de limitar o funcionamento do mecanismo de preços.
(ii) Qualquer médico inscrito na Ordem está obrigado ao respeito das regras deontológicas, cujo cumprimento é fiscalizado pelo Conselho Nacional de Disciplina. Os honorários mínimos não são uma garantia de qualidade.
A este propósito, salienta-se a sentença do Tribunal do Comércio de Lisboa: “A promoção da dignidade de qualquer profissão liberal não passa seguramente pela atribuição de honorários mínimos e muito menos pela sua consagração no respectivo código deontológico”.
(iii) Os honorários devem resultar do funcionamento do mercado. Os honorários máximos não são necessários para a protecção dos interesses dos consumidores. A fixação de um máximo permite que os preços se mantenham acima dos níveis concorrenciais, convertendo-se, na prática, em preços fixos.
(iv) A doutrina europeia é unânime em considerar o médico, tal como qualquer profissional liberal, um agente económico e a prestação de serviços médicos com carácter profissional como uma actividade económica.

Para efeitos da aplicação das regras da concorrência comunitárias e nacionais, actividade económica desenvolvida por um profissional liberal está abrangida pelo conceito de empresa. Do mesmo modo, uma organização profissional é considerada uma associação de empresas, quando regula o comportamento económico dos membros das profissões liberais.
No direito nacional e comunitário da concorrência, a noção de decisão de associação de empresas abrange tanto as normas dos estatutos ou regulamentos internos de uma associação, como uma decisão ou recomendação tomada ao abrigo dessas normas.
A sujeição das profissões liberais e das respectivas Ordens às regras da concorrência remonta aos primórdios da aplicação da lei da Concorrência em Portugal, mais concretamente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 422/83, de 3 de Dezembro.

Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, “são proibidas as decisões de associações de empresas […] qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objecto ou como efeito impedir falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que se traduzem em: a) fixar, de forma directa ou indirecta os preços de compra ou de venda ou interferir na sua determinação pelo jogo do mercado, induzindo artificialmente quer a sua alta, quer a sua baixa.

  1. Os factos
  2. Os argumentos da Ordem dos Médicos
  3. A legislação aplicável - A Lei da Concorrência
  4. A decisão da Autoridade

Neste processo, está em causa a restrição da concorrência no mercado dos serviços médicos prestados pelos médicos que exercem a sua actividade em regime independente e em nome próprio.
A fixação do valor dos honorários foi estabelecida pela Ordem de modo explícito e intencional como forma de restringir a concorrência, tal como resulta directamente da epígrafe do artigo 82.º do Código Deontológico: “Proibição da concorrência”. A fixação de preços afecta o jogo da concorrência por permitir aos agentes prever, com um grau de certeza razoável, a política de preços dos concorrentes, sobretudo se acresce a possibilidade de sanções.
A 19 de Julho de 2005, na pendência do presente processo, o Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos revogou as disposições em causa, facto que foi tido em conta para efeitos de cálculo da coima.

Assim, a Autoridade decidiu condenar a Ordem dos Médicos ao pagamento de uma coima de 250 mil euros. Tendo em conta a gravidade da infracção, do seu efeito no comércio intracomunitário e do facto de todos os médicos em regime liberal estarem obrigados pelas referidas disposições, ordenou-se à arguida que faça publicar o sumário da presente decisão na III.ª Série do Diário da República e num jornal nacional de expansão nacional, no prazo de 20 dias úteis a contar do trânsito em julgado.
Da decisão da Autoridade da Concorrência cabe recurso judicial nos termos da lei.