Autoridade da Concorrência considera ilegais cláusulas do Acordo de Parceria entre a SIC e a TV Cabo e aplica coima total de € 3.040.000
Comunicado nº 20/2006
A Autoridade da Concorrência condenou as empresas SIC, PT Multimédia e TV Cabo por terem celebrado, entre si, um contrato que contém cláusulas restritivas da Concorrência. Na sequência do processo, a Autoridade condenou as empresas ao pagamento de uma coima total de € 3.040.000 euros e ordenou a alteração dos contratos, eliminando as cláusulas anti-concorrenciais.
Em causa, nesta decisão, está o contrato denominado “Acordo de Parceria” celebrado entre a SIC, a PT Multimédia e a TV Cabo, no âmbito da produção, comercialização e distribuição de canais de televisão, em português e produzidos em Portugal, emitidos em televisão por cabo.
As cláusulas anti-concorrenciais deste contrato dificultam a entrada de concorrentes da SIC no “pacote básico” da TV Cabo, por um lado, e, por outro, criam barreiras às empresas concorrentes da TV Cabo que pretendam distribuir, na respectiva rede, dos canais temáticos da SIC, actualmente incluídos no “pacote básico” da TV Cabo.
- As principais conclusões do processo
Em Março de 2000 a SIC, a PT Multimédia e a TV Cabo celebraram um contrato (“Acordo de Parceria”), que atribui à SIC um direito de preferência no fornecimento de canais temáticos, produzidos em português e em Portugal, para o pacote básico da TV Cabo. O mesmo contrato prevê a atribuição ao Grupo PT Multimédia da comercialização exclusiva dos canais de acesso não condicionado produzidos pela SIC. O referido Acordo vigora por um prazo de dez anos, sendo renovável por mais cinco, estendendo-se a vigência, neste caso, até 2015.
A SIC, através do direito de preferência sobre novas ofertas de canais cabo, em português e produzidos em Portugal, adquire a possibilidade de conhecer previamente e de impedir a entrada de novos concorrentes, mantendo-se ilicitamente protegida da pressão concorrencial. A investigação da Autoridade concluiu tratar-se de uma restrição na limitação da produção/fornecimento de canais, em português e produzidos em Portugal, no mercado da comercialização de canais.
O Grupo PT Multimédia, através do direito de exclusividade no acesso e na comercialização dos canais cabo, em português e produzidos em Portugal, produzidos pela SIC, adquire o controlo do fornecimento da oferta base dos seus concorrentes e adquire, indirectamente, parte das receitas dos seus próprios concorrentes, recebendo destes uma parcela do valor de aquisição dos canais da SIC. Para a Autoridade, esta cláusula consubstancia uma restrição vertical no mercado dos serviços de televisão por cabo.
Notas de Enquadramento
A televisão por cabo, mesmo quando parcialmente financiada por receitas publicitárias, é desenvolvida em condições concorrenciais distintas daquelas da televisão de emissão em sinal aberto, de livre acesso. A TV Cabo detém uma quota de mercado que ultrapassa os 70%, muito superior às dos seus concorrentes. Acresce que a TV Cabo é, neste momento, a única operadora presente em todo o território nacional e com capacidade de, por si só, garantir a cobertura nacional dos canais de televisão por cabo, o que lhe confere uma vantagem competitiva determinante face aos potenciais concorrentes da SIC.
“Acordo de Parceria” - O Direito de Preferência
O direito de preferência sobre futuros canais privados de televisão por cabo, em português e produzidos em Portugal, produzidos em português, confere à SIC a possibilidade de impedir a entrada de novos concorrentes, relativamente a mais de 70% de assinantes de televisão por cabo em Portugal. A SIC, ao adquirir preferência junto do único operador de rede com capacidade para garantir a cobertura nacional neste momento, limita a entrada de novos concorrentes, interessados em produzir canais de televisão por cabo, em português e em Portugal. Mesmo que o direito de preferência não seja exercido, a SIC toma, pelo menos, conhecimento de que existem operadores interessados em lançar novos canais – o que, em si, constitui um desincentivo à apresentação de novos projectos e dificulta a inovação dos temas a ser explorados, privando-se os consumidores dos benefícios do desenvolvimento de novos canais em português e produzidos em Portugal.
Desde a celebração do “Acordo de Parceria”, e não obstante as propostas da TVI e de um grupo de particulares à TV Cabo, a SIC manteve-se como único produtor de canais privados de televisão por cabo, produzidos em português e em Portugal. A demora e o arrastamento das negociações com os outros operadores de televisão são reveladores da relação negocial privilegiada entre as arguidas.
A SIC veio alegar que nunca exerceu o direito de preferência e que o “Acordo de Parceria” não prejudicou o aparecimento de novos canais. A verdade é que os canais TV Saúde, TVI Eventos e Sport TV são canais de acesso condicionado e não concorrem directamente com os canais do pacote básico da TV Cabo. Já os canais RTP Memória e RTPN são produzidos no âmbito do contrato de Concessão do Serviço Público de Televisão, não sendo também afectados pelo “Acordo de Parceria”.
A Autoridade conclui, assim, que o direito de preferência tem por objecto e efeito proteger a SIC da pressão concorrencial dos seus actuais e potenciais concorrentes, impedindo o seu crescimento e entrada no mercado.
“Acordo de Parceria” – O Direito de exclusividade
O Grupo PT Multimédia, através da cláusula de exclusividade sobre a comercialização dos canais de televisão por cabo produzidos pela SIC, adquire um acesso directo ao principal fornecedor e o exclusivo de negociar com os seus concorrentes a distribuição destes canais.
Para além de verticalmente integrado no que respeita aos canais cabo da SIC, o Grupo PT Multimédia comporta-se perante os seus concorrentes como o maior fornecedor de canais de cabo produzidos em português e em Portugal, podendo dificultar a constituição das respectivas ofertas.
Constituem prova desses efeitos os obstáculos enfrentados pelos concorrentes da TV Cabo sempre que solicitam à SIC a distribuição dos respectivos canais. A Autoridade concluiu que esta cláusula distorce as condições de concorrência pois obriga os concorrentes da TV Cabo a negociarem com o seu principal rival os canais privados de televisão por cabo produzidos em português e em Portugal pela SIC, o principal fornecedor destes canais.
A Legislação Aplicável
À luz da Lei da Concorrência, “São proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear, ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional”.
Realça-se que a Lei da Concorrência proíbe, desde logo, a acção das empresas que tenha um objecto restritivo da concorrência, impedindo-a ou falseando-a, independentemente dos efeitos efectivamente produzidos.
A Decisão da Autoridade
Foram ouvidos os reguladores das Telecomunicações e da Comunicação Social. No parecer enviado à Autoridade, a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) defende que “a cláusula de preferência estipulada a favor da SIC diminui os incentivos para o lançamento de novos serviços de programas e dissuade a apresentação de novas propostas, limitando, consequentemente, a inovação e a exploração de novos temas. (…) Mas também a exclusividade atribuída à PT Multimédia na comercialização dos canais SIC com terceiros não pode deixar de suscitar um juízo de censura. Realmente, as dificuldades injustificadas na distribuição dos canais SIC pelos concorrentes da CATVP [TV Cabo] goram o acesso do público à diversidade de expressões culturais.” Pelo exposto, a AdC conclui que o direito de preferência atribuído à SIC e o direito de exclusividade atribuído à PT Multimédia têm por objecto e por potencial efeito restringir de forma muito significativa a concorrência, respectivamente, no mercado da exploração e comercialização de canais de televisão por cabo de acesso não condicionado, em português e produzidos em Portugal, e no mercado dos serviços de televisão por subscrição no território nacional (“pacote básico”).
A Autoridade condenou a SIC a uma coima de € 540.000 e o Grupo PT Multimédia a uma coima de € 2.500.000, pela violação do disposto no n.º1 do artigo 4.º da Lei n.º 18/2003. Foi ordenado às arguidas que, trinta dias úteis após a notificação desta decisão alterem (i) o “Acordo de Parceria”, eliminando as referidas cláusulas e (ii) o Contrato de distribuição do Canal SIC Mulher, no prazo de trinta dias úteis após a notificação da mesma.
Da decisão da Autoridade da Concorrência cabe recurso judicial nos termos da lei.